O Estatuto dos Funcionários de Justiça dispõe no artigo 2.º, “Grupos de pessoal”, que os funcionários de justiça se distribuem pelo pessoal oficial de justiça; pessoal de informática; pessoal de técnico-profissional; pessoal administrativo; pessoal auxiliar; e pessoal operário. Os Oficiais de Justiça são, dentro deste grupo, os únicos a pertencer a carreira especial.
Posto isto, importa refletir, sobre os ingressos que a DGAJ, regularmente, tem vindo a realizar de funcionários judiciais, nas carreiras de assistentes técnicos (pessoal de técnico-profissional; pessoal administrativo) e assistentes operacionais (pessoal auxiliar e pessoal operário), nomeadamente para os serviços dos Tribunais e Ministério Público.
Nos últimos dois anos, o quadro de funcionários judiciais – não Oficiais de Justiça -, foi reforçado em cerca de 100 trabalhadores. A esses acresce um número desconhecido de assistentes operacionais, que têm ingressado com contratos de trabalho a termo certo.
Por outro lado, o número de Oficiais de Justiça, no mesmo período, será de cerca (seguramente menos) de 200 trabalhadores. Destes, mais de 50%, como bem sabe a tutela, irá abandonar a carreira nos próximos dois anos, por razões conhecidas.
Esta “reconversão” silenciosa de quadros, substituindo, ainda que de forma encapotada, Oficiais de Justiça por trabalhadores de carreiras de regime geral, tem contado com o apoio de Oficiais de Justiça. Desde logo quando alguns administradores judiciários insistem em negar que esses trabalhadores usurpam funções de Oficiais de Justiça, obstaculizando assim, a que possa este Sindicato. SOJ, apresentar queixa às entidades competentes.
Mas também são muitos os que continuam a entender que oficiais de justiça e funcionários judiciais são a mesma carreira, como se as funções, as exigências e responsabilidade a que estão submetidas as profissões fosse igual. A ser assim, então melhor será afirmar que somos todos funcionários públicos.
Os Oficiais de Justiça, e é importante que se entenda, têm uma carreira de regime especial, dentro de um grupo de trabalhadores, funcionários de justiça ou funcionários públicos. As carreiras especiais não existem por bondade dos Governos, mas pelas funções e exigências a que estão submetidas. Ora, as contrapartidas, entenda-se direitos, não podem ser gerais, têm de ser também diferenciadas.
Quando este Sindicato, SOJ, foi constituído, muitos foram os colegas que nos imputaram o “crime” de querer dividir a carreira dos funcionários judiciais. O SOJ nunca negou, pois é estatutário, que só representa Oficiais de Justiça e que o seu objeto é alcançar a realização pessoal e profissional destes trabalhadores.
Respeitamos todas as carreiras, nomeadamente as que trabalham na Justiça, mas este Sindicato, SOJ, reivindica condições para os que representa, Oficiais de Justiça.
Existem diversas carreiras na Justiça e seguramente muitas se sentem injustiçadas e reivindicam por justiça, mas este Sindicato reivindica justiça para os Oficiais de Justiça.
Que sentido faria, por exemplo, reivindicar justiça para os Juízes, que também trabalham na justiça?
Confundir carreiras, nomeadamente “descaracterizando” quem está em luta, serve o interesse de alguns, nomeadamente do Governo, não serve o interesse da nossa carreira.
Os Oficiais de Justiça não podem continuar nesta indefinição, pois a falta de clareza pode gerar situações de gravidade. Por exemplo, só os Oficiais de Justiça podem aderir a uma greve decretada pelo SOJ. Dizer-se que uma greve decretada pelo SOJ é dos funcionários judiciais, poderá levar assistentes técnicos ou operacionais a aderir e, com isso, incorrerem em faltas injustificadas, pois não estão abrangidos pelos avisos prévios apresentados por este Sindicato.
Mas a falta de clareza até se verifica, por vezes, em diplomas legais prejudicando os Oficiais de Justiça. Assim ocorreu, por exemplo, com o artigo 81.º n. 1, da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, em que o conceito vago de carreira prejudicou os Oficiais de justiça. O mesmo não ocorreu com o disposto no artigo 144.º, n.º 2 al. a) do mesmo diploma legal, onde o legislador afirmou o direito aos Oficiais de Justiça. Poderá parecer uma questão de semântica, mas a verdade é que o prejuízo fica com os Oficiais de Justiça.
Manter o status quo é continuar a prejudicar os Oficiais de Justiça, pois o nivelamento vem sendo feito por baixo. Qual o valor do salário de ingresso para um assistente técnico ou operacional? Qual o salário de um oficial de justiça no ingresso? Serão os trabalhadores de carreiras gerais também colocados, por norma, a centenas de quilómetros de casa? Há que mudar de paradigma!
Concluindo, em breve seremos chamados a um processo difícil e basta de continuar, enquanto carreira, a dar tiros nos pés. Há que clarificar os conteúdos funcionais da carreira, garantir novas competências, recuperar os quadros que temos vindo a perder, para garantir também direitos humanos – direito à família, por exemplo – e afirmar a diferença, para exigir as contrapartidas, que nos são devidas.
Lisboa, 2023-08-28