EM CAUSA: A INDEPENDÊNCIA E O REGULAR FUNCIONAMENTO

Sobre a assumida e reconhecida má-gestão, nomeadamente de Recursos Humanos, por parte de alguns Conselhos de Gestão e DGAJ, importa dizer o seguinte:

O Sindicato dos Oficiais de Justiça tomou conhecimento do “Memorando” exarado pelo Conselho de Gestão da Comarca de Lisboa Oeste e entregue a Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, em setembro.

Este Sindicato reconheceu, de imediato, a gravidade da situação, por razões que ultrapassam os diversos comentários que foram sucedendo ao longo de dias, nomeadamente depois de ter o SOJ denunciado a situação, publicamente, e a subsequente reação da DGAJ Ver Aqui.

AS FUNÇÕES DO OFICIAL DE JUSTIÇA

E ultrapassam, quando no documento se propõe a contratação de trabalhadores a termo – contratos por 2 anos -, para desempenhar funções de Oficial de Justiça. Ora, a generalidade dos colegas centrou o debate na usurpação de funções, atribuídas por lei aos Oficiais de Justiça. Esse é, de facto, um problema grave que, a verificar-se, terá de ser resolvido nas instâncias competentes.

Contudo, a matéria assume maior preocupação, pois a realizar-se coloca em causa a independência do Órgão de Soberania, “os tribunais”. A Constituição da República Portuguesa, através do n.º 3 do artigo 218.º assegura que a independência dos tribunais também passa pelo regime consagrado aos Oficiais de Justiça.

“Na verdade, não pode deixar de se considerar que os funcionários de justiça também fazem parte da estrutura dos tribunais; e, por isso, são elementos fundamentais para a realização prática da garantia constitucional da respectiva independência.” – Acórdão do TC n.º 159/2001 – Ver Aqui 

Daí que os Oficiais de Justiça tenham um regime de disciplina e avaliação de mérito equiparado aos magistrados, em termos de formalismo e exigências (por vezes mais até mais exigente, como por exemplo nos casos de demissão).

Por essa razão este Sindicato, SOJ, reuniu, após conhecer o documento, com os diversos grupos parlamentares, nomeadamente com os Partidos Políticos comprometidos com a Revisão Constitucional, alertando para o perigo de uma alteração que possa colocar em causa a independência dos “tribunais”. Recolhida a garantia de que essa questão – independência dos tribunais, no modelo vigente – está salvaguarda, numa próxima revisão constitucional, avançou este Sindicato para a denúncia pública. A matéria é grave e exige a atenção pública.

A FALTA DE QUADROS OFICIAIS DE JUSTIÇA

Aqui a matéria assume gravidade num duplo plano: o cidadão ou pessoa coletiva que procuram os tribunais são prejudicados, pois sem ovos não se fazem omeletas, mas estão também prejudicados os que laboram, sem descanso, para tentar compensar a redução dos quadros. Todos estão prejudicados, excetos os que se imaginam “donos disto tudo”.

Porém, também esta matéria encerra algo mais gravoso: a falta de quadros Oficiais de Justiça, por (in)ação do Governo (Órgão de Soberania), coloca em crise o regular funcionamento dos “tribunais”, como aliás assume o CSM.

Isto é, o Governo condiciona, pela sua (in)ação o regular funcionamento do Órgão de Soberania “os tribunais”. “À Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política”, quando a Justiça tem a capacidade para funcionar, pois de outra forma essa expressão serve para afirmar a impunidade.

Consequentemente, a factualidade que se encontra vertida na página da DGAJ, no mencionado “Memorando” e deliberação do CSM, são matérias cuja apreciação, considera o SOJ, estão na esfera das competências de Sua Excelência o Senhor Presidente da República.

Contudo, uma vez que Sua Excelência o Senhor Presidente da República parece desvalorizar a “voz” dos Oficiais de Justiça, então cabe-nos apelar para que convoque o Conselho de Estado e possa ouvir os Senhores Conselheiros. A matéria é grave e deve ser apreciada por “Estadistas”.

A PRECARIEDADE LABORAL

Outro ponto, grave, que se extraí do documento é a precariedade laboral – contratos de 2 anos. Acontece que o Governo assumiu com os parceiros sociais a “Agenda para o Trabalho Digno” e, consequentemente, apresentar uma proposta nesses termos a Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça revela, no nosso entendimento, um total desrespeito pelos trabalhadores, pela pessoa humana e até pelo próprio Governo.

De salientar, por último, mas não por menos, que o SOJ participou, e foi o único Sindicato no setor da Justiça a fazê-lo, na Comissão de Avaliação Bipartida (CAB Justiça), no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP). O SOJ tem legitimidade acrescida para denunciar e combater a precariedade.

A regularização de trabalhadores em situação de precariedade foi um processo difícil, que visou colocar termo a situações de precariedade e que decorreu de 2018 até final de 2019. O SOJ assumiu o processo desde a primeira hora e esteve até ao fim, empenhado em resolver, e resolveu, dezenas de situações de precariedade dentro dos tribunais, nomeadamente em comarcas que se “achavam modelos”.

A narrativa transmitida aos colegas, a esses que viram as suas situações regularizadas, foi que a DGAJ e os Administradores Judiciários, que tinham nas comarcas precários, estiveram empenhados na resolução dessas situações.

Todavia, a verdade é outra, excepção foi o então Administrador Judiciário da Comarca de Leiria, que esteve de facto ao lado dos trabalhadores que estavam em situação de precariedade e não teve receios de o assumir.

Assim, e em conclusão: o memorando que foi apresentado ao Senhor SEAJ, merece uma reflexão séria, perante a gravidade, e não pode passar como a espuma dos dias. Há que dotar os tribunais de condições, realizar ingressos de imediato; avançar com as promoções e acabar com esse “forrobodó” que são as nomeações de “amigos e compadres”, em regime de substituição. Basta de paliativos e de incompetência!

Lisboa, 2023-01-05

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